A cura para uma doença raríssima, a progéria —também conhecida como síndrome de Hutchinson-Gilford —, pode estar no horizonte. A condição acelera o envelhecimento em crianças e encurta drasticamente sua vida. Mas, até pouco tempo atrás, não havia um caminho que indicasse um tratamento altamente eficaz.
Recentemente, um pequeno grupo de acadêmicos e cientistas do governo americano, incluindo Francis Collins, ex-diretor do Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês), está trabalhando sem nenhuma expectativa de ganho financeiro para deter a progéria com uma técnica inovadora de edição genética.
Pesquisadores dizem que, se a terapia genética for eficaz em desacelerar ou interromper a progéria, o método também poderá ajudar a tratar outras doenças genéticas raras que não têm tratamento ou cura e, como a progéria, não despertam muito interesse das empresas farmacêuticas.
Depois de mais de duas décadas de pesquisa, o grupo está abordando os fabricantes de medicamentos no sentido oposto e planeja ainda buscar a aprovação de legisladores para um ensaio clínico sobre a edição gênica da progéria.
“O projeto tem mérito, mas também riscos”, explica Kiran Musunuru, pesquisador de terapia genética da Universidade da Pensilvânia, que também é conselheiro de uma empresa de edição genética. Ele alertou que, embora a edição tenha funcionado bem em camundongos, não há garantia de que funcione em humanos.
Collins se interessou pela progéria pela primeira vez enquanto estudava genética médica na Universidade Yale, em 1982, quase três décadas antes de ser nomeado diretor do NIH. Um dia, encontrou uma nova paciente, chamada Meg Casey, que tinha menos de 1,20 m de altura, nenhum pelo sob a peruca e era enrugada como uma mulher idosa. Tinha apenas 20 anos e sofria de progéria.
O médico ficou triste e comovido. Não se sabia quase nada sobre a doença, que afeta apenas 1 em cada 18 a 20 milhões de pessoas. De acordo com a Fundação de Pesquisa da Progéria, há apenas 18 pacientes vivos conhecidos nos Estados Unidos. Enquanto Casey e outros sobreviveram até os 20 anos, os indivíduos com a doença geralmente vivem até os 15 anos, e muitas delas morrem de ataque cardíaco ou derrame.
“Pensei: ‘Alguém deveria trabalhar nisso.’ Mas me dediquei a outras coisas”, conta Collins. Dezenove anos depois, o médico, que então chefiava um projeto federal para mapear o genoma humano, estava em uma festa quando foi abordado por Scott Berns, médico intensivista pediátrico, que lhe disse que seu filho pequeno, Sam, 4, tinha uma doença fatal: “Não sei se você já ouviu falar nela. Chama-se progéria.” Naquele momento, Collins se lembrou do caso da jovem Cassey e respondeu: “Sei alguma coisa sobre isso.”
Collins convidou Berns e a esposa, Leslie Gordon, residente de pediatria, para irem à sua casa com o filho Sam. Naquele dia, Collins conversou com os pais do menino sobre a doença. Sam viveu até os 17 anos.
Gordon comentou com Collins que não tinha ilusões —a doença era uma curiosidade, mas não uma prioridade de pesquisa, em razão de sua pouca incidência. Ela, Berns e sua irmã Audrey, advogada, criaram a Fundação de Pesquisa da Progéria para apoiar estudos que se mostrassem promissores. “Antes disso, não havia nada”, disse ela.
Collins estava inspirado. Embora tivesse um cargo administrativo no NIH, tinha também um pequeno laboratório e era livre para estudar o que quisesse. Decidiu colocar a progéria como foco de pesquisa.
A parte fácil
No início, Collins deu uma tarefa a uma nova bolsista de pós-doutorado em seu laboratório: encontrar a causa da progéria. “Vamos esperar um ano”, disse a ela.
Essa acabou sendo a parte fácil. Maria Eriksson, a bolsista, levou apenas alguns meses. Uma única letra entre a sequência de três bilhões de letras individuais que compõem o DNA humano foi alterada. Em um ponto específico, em um gene conhecido como lâmina A, uma dessas letras é substituída por outra. O resultado é a produção de uma proteína tóxica, a progerina, que rompe o andaime que mantém o núcleo de uma célula em sua forma adequada.
O próximo passo da pesquisa foi modificar geneticamente camundongos para apresentarem a mutação. Assim como acontecia com humanos que têm a doença, os animais envelheceram rapidamente, desenvolveram doenças cardíacas, ficaram com a pele enrugada, perderam os pelos e morreram jovens.
Mas foi somente com o Crispr, uma tecnologia de corte de DNA, que surgiu em 2012, que o grupo de pesquisa pensou em um novo tratamento ousado. O Crispr é uma ferramenta de edição do DNA e pode desabilitar um gene. Isso, no entanto, estava longe do ideal —o que era realmente necessário era algo que pudesse reparar um gene.
A solução surgiu em 2017 no laboratório de David Liu, professor de Harvard que é diretor do Instituto Merkin de Tecnologias Transformativas em Saúde. Seu grupo inventou um sistema de edição genética que age como um lápis corretor no local de uma mutação, usando uma enzima para apagar uma das letras do DNA (trocar A por G). Isso é exatamente o que é necessário para corrigir a mutação da progéria.
Essa enzima de edição gênica nunca é vista na natureza. Nicole Gaudelli, pesquisadora de pós-doutorado no laboratório de Liu na época, conseguiu produzir uma com um experimento de sobrevivência do mais apto: Gaudelli forçou as bactérias a produzir a enzima ou, então, morrer.
Liu, que é cofundador de várias empresas de edição de DNA voltadas para o tratamento de doenças mais comuns, chamou o sistema inventado por seu grupo de “edição de base” porque edita diretamente as letras, ou as bases, que compõem o DNA.
Em 2018, ele foi convidado para ministrar um seminário no NIH. Como sabia que Collins estaria na plateia, adicionou alguns slides sobre edição de base de células de pacientes com progéria.
A parte difícil
Os pesquisadores do NIH primeiro buscaram melhorar a saúde dos camundongos com progéria. Começaram com uma infusão provisória única do editor base.
Os resultados, documentados em um artigo de 2021, excederam em muito suas expectativas. Quase todos os danos às grandes artérias cardíacas, marca registrada da doença, foram revertidos. Os camundongos pareciam saudáveis, mantiveram seus pelos e viveram até o início da velhice normal em camundongos —cerca de 510 dias—, em vez de morrer aos 215 dias com progéria.
Para agilizar a fabricação e minimizar os potenciais efeitos colaterais do método de entrega, o grupo de Liu precisou reduzir o tamanho do editor de genes, que era grande demais para ser entregue às células em um único transportador molecular. Foi uma tarefa difícil, porque o sistema de tesoura Crispr de corte de DNA original da natureza não se encaixava em um único mecanismo de entrega.
Depois que conseguiram a redução, os pesquisadores tiveram de testar a nova enzima de edição de genes nos camundongos para verificar se a edição ainda estava funcionando. Estava.
Agora, estão fazendo um experimento mais longo para apurar se os camundongos vivem até a velhice.
Enquanto esperam, os pesquisadores estão descobrindo quais os próximos passos para usar suas inovações na cura de crianças com progéria e obter permissão da FDA, agência governamental americana que controla medicamentos e alimentos, para iniciar um ensaio clínico.
E se funcionar? Se a edição de base da progéria ajudar a mostrar o caminho de cura para milhares de outras doenças genéticas sem tratamento? “Então, uau!”, diz Collins.