Quando começou a trabalhar com problemas cognitivos na década de 1970, Ricardo Nitrini não imaginava onde a sua carreira iria chegar. Agora, aos 77 anos, o pesquisador foi agraciado pelo Prêmio Henry Wisniewski de Contribuição ao Longo da Vida pelas suas pesquisas com o Alzheimer, um reconhecimento internacional conferido pela Associação de Alzheimer.
“Quando eu recebi o prêmio foi a maior surpresa. Eu realmente não esperava”, afirma Nitrini. “Fiquei muito feliz e muito honrado. Foi uma experiência muito agradável para mim, para meus amigos e para os brasileiros em geral. É algo muito honroso para o reconhecimento da contribuição da América Latina para a ciência.”
O prêmio foi entregue na Filadélfia (Estados Unidos) durante a Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, o principal fórum internacional para cientistas debaterem suas pesquisas nessa área. A distinção recebida reconhece o impacto duradouro do trabalho de Nitrini e seu comprometimento de uma vida com o progresso contra o Alzheimer e a demência.
Nitrini conta que seu interesse científico começou nos estudos da atividade nervosa superior, isto é, problemas de funções cognitivas. Nessa época as demências ainda eram pouco conhecidas e o Alzheimer uma doença considerada rara. Assim, o hoje professor sênior da USP (Universidade de São Paulo) viu surgir o campo de estudo em que hoje atua.
Desde então o médico neurologista formado pela USP coleciona realizações. Em 1997, em parceria com outros pesquisadores, idealizou a Reunião de Pesquisadores em Doença de Alzheimer e Desordens Relacionadas, realizada bienalmente. Em 2003, criou o Centro de Referência em Distúrbios Cognitivos do Hospital das Clínicas da USP, também com a colaboração de outros nomes. Além da pesquisa, foi um professor dedicado e editor de livros-texto para a graduação, tendo também atuado como coordenador da Pós-Graduação em Neurologia da Universidade de São Paulo
No meio de tantas conquistas, o trabalho que traz mais orgulho é aquele que atende às necessidades do nosso país. O professor lembra que, no começo da carreira, enfrentava com a precariedade típica de um campo nascente. “A gente não tinha um instrumento diagnóstico”, diz.
No Brasil, persistiam o problema da escolaridade baixa e o problema cultural, que impediam a aplicação de testes desenvolvidos no exterior. A partir dessa necessidade, Nitrini e seu grupo de pesquisa trabalhou e desenvolveu testes para uso nas populações de baixa escolaridade e até mesmo entre analfabetos que pudesse ser aplicado entre os brasileiros.
Em seguida, desenvolveu pesquisas para traçar os tipos de demência mais corriqueiros no Brasil e na América Latina, estudos de epidemiologia populacional. Descobriram que as demências eram mais comuns justamente entre esses indivíduos de baixa escolaridade, que têm reservas cognitivas menores.
Ao longo do tempo, passou a trabalhar com outros aspectos da doença, como a descrição de fatores genéticos da doença, bem como com outras demências. Recebeu notoriedade pelos seus trabalhos descrevendo os primeiros casos de encefalopatia traumática crônica, que acomete boxeadores e outros atletas.
Mais recentemente, outra grande contribuição de seu grupo de pesquisa para o campo foi o trabalho com macacos-prego. Se antes o Alzheimer era considerado exclusivamente humano, hoje sabe-se que ele pode acometer também chimpanzés e, graças ao trabalho do professor, macacos-prego. Esse trabalho é importante não só porque aumenta nossa compreensão sobre a doença, mas também porque oferece um modelo animal viável para os estudos em laboratórios sobre a doença.
Além de Nitrini e dos americanos Ralph A. Nixon e Goldie S. Byrd, que foram agraciados com láureas por seu trabalho de vida, o trabalho de outro brasileiro não passou despercebido. Eduardo Zimmer recebeu o prêmio Blas Frangione de Conquista no Início da Carreira. O professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) estuda aspectos fisiológicos da doença em modelos animais.
Nitrini não pensa em parar de pesquisar. “A gente sempre acredita que o próximo trabalho é o mais interessante. Enquanto a gente tiver essa perspectiva, a gente segue na pesquisa”. Ele pretende continuar o trabalho com os macacos-prego e também está de olho nos super idosos, pessoas que chegam em idades avançadas com ótima saúde.
E para as gerações de pesquisadores mais novos, aconselha: “Fazendo um trabalho sério e bem feito que o reconhecimento internacional vem.” E, parafraseando Nelson Rodrigues, acrescenta: “Envelheçam”.