Apesar de avanços, a falta de conexão à internet e até mesmo energia elétrica ainda são barreiras no acesso à saúde e desenvolvimento na região Norte do país. Mesmo diagnósticos simples, como diabetes ou hipertensão, podem demorar meses até serem detectados por falta de infraestrutura em comunidades indígenas ou ribeirinhas isoladas.
Segundo dados do Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), em 2009 apenas 24% dos domicílios no Norte do país possuíam conexão à internet, taxa que subiu para 81% em 2020 (dois pontos percentuais abaixo da média do país, de 83%).
No entanto, a qualidade da conexão é extremamente desigual, de acordo com dados do IBC (Índice Brasileiro de Conectividade), da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) de 2022. Roraima (31,76%), Amazonas (32,89%) e Pará (36,25%) estão entre os cinco estados com a faixa muito baixa de conectividade, junto com Maranhão (25,28%) e Piauí (35,97%).
A falta de conexão prejudica desde ações básicas nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde), como o acesso ao prontuário digital e o registro no sistema de vacinas até atendimentos de alta complexidade e que necessitam um sistema digital, como o envio de exames de imagem e capacitação de profissionais de saúde de outros estados.
Em 2023, no primeiro ano do terceiro mandato do governo Lula (PT), o Ministério da Saúde criou a Secretaria de Informação e Saúde Digital com o intuito de concentrar as ações de telessaúde e telemedicina, que foram regulamentadas em 2022, no final do governo Bolsonaro (PL).
Segundo Ana Estela Haddad, secretaria responsável pelo programa, em 1º de março deste ano o governo abriu inscrições para os municípios aderirem ao Saúde Digital —que visa ampliar estratégias em todas as esferas, não só teleconsultas e teleatendimentos, mas também a conectividade e a portabilidade para o acesso à saúde digital.
“Em um mês, tivemos adesão de 99% dos municípios e, agora, todos aderiram, o que significa que vão ser iniciadas ações específicas para estruturar a saúde digital em cada um dos 5.670 municípios do Brasil”, disse, em entrevista à Folha, a secretaria.
A possibilidade de expansão também se deu com as obras do projeto InfoSUS, cujo objetivo é criar quatro infovias –vias de cabeamento óptico para internet de fibra– na região Amazônica, passando pelos estados do Amapá, Pará, Amazonas e Roraima, respectivamente. As obras das infovias 1 e 3 já foram iniciadas, sendo a última anunciada na terça-feira (13). O projeto tem um investimento total de R$ 1,9 bilhão.
De acordo com Ana Estela Haddad, o projeto já levou atendimento à saúde a mais de 3 milhões de pessoas em comunidades ribeirinhas no Amazonas, onde foi inaugurada a primeira infovia, há um ano. “A telessaúde e a telemedicina estão dentro de uma política mais ampla de saúde digital que recebeu um investimento sustentado ao longo de décadas, não chegou aqui em um passe de mágicas, mas é claro que houve uma expansão após a pandemia e certamente existe um compromisso do governo em investir”, disse.
O governo tem a intenção de construir 56 polos de telessaúde —que, grosso modo, vão concentrar as estratégias de saúde digital em uma determinada região, entendendo, inclusive, quais são as principais demandas de atendimento na região— até o final do ano, sendo que 24 já foram entregues na região.
De um total de 896 ligações à internet, 715 já estão ativados e, destes, 644 são em áreas de saúde indígena. A complexidade geográfica da região e a falta até mesmo de informação sobre áreas prioritárias em um território onde a vulnerabilidade é alta, porém, podem ser potenciais desafios para a expansão.
“Esses núcleos vão concentrar oferta de telediagnósticos, corpo clínico, especialistas que irradiam essas ações de telessaúde para toda a rede do SUS (Sistema Único de Saúde), ao mesmo tempo que levantam dados, desenvolvem pesquisas e trazem inovação”, afirma a secretaria.
Na última terça-feira (13), a ministra da Saúde, Nísia Trindade, acompanhou a primeira teleinterconsulta no território indígena Yanomami (TI Yanomami). O paciente do polo base em Surucucu, com uma enfermidade no joelho, estava acompanhado de um médico e foi atendimento por uma segunda médica especialista, na Casai (Casa de Saúde Indígena) Yanomami, em Boa Vista.
De acordo com Trindade, as 24 unidades já existentes vão permitir avançar na atenção especializada —principal gargalo hoje no SUS em locais distantes dos grandes centros.
O entendimento de que mais conexão à internet e à energia elétrica pode ser um aliado no acesso à saúde de populações vulneráveis não é de hoje. Desde 2000 a ONG Projeto Saúde & Alegria (PSA) leva inclusão digital na região Norte, com foco principalmente, mas não só, no estado do Pará.
“A gente sabe das dificuldades dos governos locais, subnacionais ou mesmo federal para poderem fazer chegar serviços básicos em áreas remotas. A logística na Amazônia tem um custo elevado, muito mais alto do que em qualquer outra região. Imagina como conseguir fazer chegar serviços de saúde para toda a população em municípios gigantes que, muitas vezes, não têm acesso por rodovias, não têm energia elétrica ou comunicação”, afirma Caetano Scannavino, coordenador do PSA.
Mais recentemente, durante a pandemia da Covid, a ONG levou painéis solares para aldeias indígenas da região do Alto Tapajós, no Pará, possibilitando a construção de laboratórios de diagnóstico no meio da floresta –visando contemplar o atendimento emergencial junto aos indígenas munduruku.
“Apoiamos ali com a implantação de energia solar e um laboratório remoto para exames, principalmente para os idosos que não têm como se deslocar até a cidade para fazer um diagnóstico”, explica.
A organização do terceiro setor ajudou a equipar também UBSs com kits para melhorar o atendimento nos locais, incluindo geladeiras para conservação de vacinas, sistema de acesso à internet e computadores para telemedicina. De 2023 a 2024 foram instalados pelo menos 43 pontos de internet via satélite na região. Com o apoio do Ministério da Saúde, o projeto pretende expandir também para os estados do Acre, Amazonas e Amapá.
A jornalista viajou para a África do Sul pelo ICFJ (International Center for Journalists) através do edital de Inovação em Saúde