Quando foi lançado há 30 anos, “O Corvo” tornou-se a tradução perfeita de seu tempo. Apresentado como uma fantasia gótica, o filme de Alex Proyas era um triunfo do estilo sobre substância, pontuado por uma trilha sonora que ilustrava essa proposta com bandas de estímulo visual e sonoro paralelos, como The Cure, Nine Inch Nails, Helmet e The Jesus and Mary Chain. Em uma época que rascunhava o que seria o estilo emo, “O Corvo” era um pedaço de cultura pop moderno, romântico, trágico e envolvente.
O novo filme se esforça para ser uma obra com personalidade própria. A tentativa de separar enfaticamente a figura eternizada por Brandon Lee do vingador sobrenatural vivido por Bill Skarsgård passa por um registro visual diferente para Eric. Existe, contudo, um limite para a reinvenção, e o próprio cerne da trama imediatamente a ancora a um estilo – musical, temático e visual – que já surge datado.
Essa versão atualizada traz, contudo, uma preocupação maior com a reação de Eric à violência que seu retorno dos mortos traz. “Em um filme com alta contagem de corpos, o protagonista geralmente recarrega sua arma e segue em frente”, discorre o diretor. “Bill não era assim, ele chorava ao fim de cada take, sem receio de expor sua fragilidade emocional.” Sanders ressalta o compromisso de Skarsgård com o personagem: “A beleza de sua performance é essa crueza, escancarada mesmo com ele coberto de sangue após uma sequência violenta”.
O momento que melhor ilustra essa dicotomia é o ataque na ópera, quando Eric finalmente entende que o destino de Shelly repousa no sacrifício de sua alma imortal, selado por sua entrega à ultraviolência. “O homem é capaz de criar beleza e, ao mesmo tempo, cometer as piores atrocidades”, filosofa Sanders. “A ópera é uma justaposição de Céu e Inferno, uma metáfora que consolida a jornada de Eric.”
“Este foi o momento em que Eric se tornou de fato essa criatura”, lembra Skarsgård. “Ele sabe que o rastro de corpos mutilados são seu atestado de ódio, vingança e culpa. Ele odeia o que ele se tornou.” A sequência levou quatro noites para ser finalizada e descarregou as baterias do ator. “Foram muitas cargas explosivas e gritos de agonia, sangue falso e lágrimas verdadeiras”, brinca. “Foi exaustivo mas também foi divertido.”