São 4h40 da manhã, eu não consigo dormir e estou planejando um “glow up”, em uma cena cinematográfica de transformação, quando a protagonista do filme cansa de sofrer e toma as rédeas da própria vida.
Vou acordar às 6h (ciente de que isso me valeria apenas 1h20 de sono), tomar um café da manhã equilibrado (uma xícara de café preto sem açúcar) e ir à academia.
Na academia eu vou correr 2 km na esteira e fazer minha série de membros superiores. Isso. Voltando para casa vou tomar um banho e comer 2 ovos mexidos enquanto reviso a matéria atrasada da pós-graduação.
Depois, vou me arrumar com calma para o trabalho, onde serei presente e resolverei todos os problemas que me forem passados com calma e elegância. Sem desespero.
De volta em casa, ligarei para a minha avó e agendarei exames. Farei a lista de mercado, odiarei meus gastos, me inscreverei num curso de espanhol.
Isso. Eu só preciso dormir por agora uma hora e acordarei uma pessoa completamente diferente. Não vou contar as calorias dos alimentos que consumirei. O comer intuitivo vai me guiar e, de quebra, perderei quilos o suficiente para chegar no meu peso ideal. Sim, pela manhã tudo será melhor.
Tem uma cena em “Lady Bird: A Hora de Voar”, dirigido por Greta Gerwig, na qual eu penso muito. A personagem homônima pergunta à mãe se ela gosta dela. A mãe responde “é claro que eu te amo”. “Sim, mas você gosta de mim?”. “Eu só quero que você seja a melhor versão de você possível”. “Mas e se essa for a melhor versão?”.
Me pergunto a mesma coisa, mas decido que quando eu tiver meu “glow up” não vou mais duvidar de mim. A minha melhor versão será segura de si e só tomará as decisões certas.
Carregada pelos pensamentos elevados da Joana Superior, adormeço aos pouquinhos. Ignoro o despertador às 6h, às 6h30 e às 7h45. Acordo às 8h, exausta. Tento ter paciência comigo mesma.
Só quem sofre de uma saúde mental “não-Superior” sabe como é difícil executar funções básicas da rotina em dia em que se acorda meio mais ou menos das ideias. Faço o que eu tenho que fazer para que o dia corra normalmente. Pulo refeições. Fico irritada com o sono e a falta de energia da comida que não consumi. Contar todas as calorias é cansativo. Pensar para resolver problemas no trabalho demanda toda a energia que eu não tenho. Tento ser simpática. Tento não me julgar por não ser a versão idealizada de mim mesma que criei durante a madrugada insone. Me lembro da minha avó, dos problemas que meus pais estão enfrentando em casa, penso na quantidade de problemas que há ao redor das pessoas que eu amo. Perco o apetite.
Não quero falar com ninguém quando chego em casa. Tomo um banho e um chá de camomila e me deito para dormir. A voz da minha psicóloga me lembra que eu não posso resolver todos os problemas do mundo, muito menos da noite para o dia. Isso não me impede de querer. Volto a sonhar com meu glow up. Amanhã vai ser melhor, vou acordar às 6h da manhã…
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