A Prefeitura de São Paulo se recusa a dizer quais são os hospitais do município que realizam a interrupção de gestações acima de 20 semanas. A Folha questionou quais são os hospitais de referência para o procedimento, que exige equipe capacitada para a realização de assistolia fetal, método indicado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para abortos de gravidezes avançadas, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
Questão enviada à gestão do prefeito Ricardo Nunes também perguntava quando os hospitais passaram a realizar o procedimento, mas a Secretaria Municipal da Saúde também não informou.
Uma decisão do TJ-SP de fevereiro deste ano diz que o Hospital Vila Nova Cachoeirinha não pode ser obrigado a retomar o serviço de aborto legal, mas que precisa reagendar os procedimentos que foram marcados e encaminhar as pacientes para outras unidades. A prefeitura afirma que, desde a interrupção do serviço de referência no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, em dezembro de 2023, já fez abortos tardios em outros hospitais, sem especificar em quais.
A Folha solicitou três vezes a informação sobre os hospitais que realizam abortos após 20 semanas de gestação. Em cada uma das solicitações, o prazo original para resposta da prefeitura foi estendido três vezes. Após o fim dos prazos, ainda foram enviados quatro emails solicitando retorno da prefeitura, que não passou as informações.
Em solicitação anterior, que apresentou respostas insuficientes, a gestão Nunes disse que existem quatro hospitais de referência para o procedimento independente da idade gestacional.
A Secretaria da Saúde afirmou que os estabelecimentos “realizam o acolhimento de gestantes para aborto legal independentemente da idade gestacional, podendo encaminhar a outra unidade conforme a necessidade de cada caso”, mas não informou quais unidades fazem o procedimento após 20 semanas.
A interrupção da gravidez acima de 20 semanas exige a injeção de substâncias químicas no feto para impedir que seja retirado com batimentos cardíacos. O método é padrão-ouro para gestações tardias, segundo a OMS, e demanda equipe especializada, o que pode ser um desafio para a realização do procedimento.
O aborto no Brasil é permitido em casos de estupro da mulher, de risco de morte para a mãe e em situação de bebês anencefálicos. A lei brasileira não estabelece limite de idade gestacional.
Os locais de referência hoje para o aborto legal são o Hospital Municipal Dr. Cármino Caricchio, no Tatuapé, o Hospital Municipal Tide Setúbal, em São Miguel Paulista, ambos na zona leste; Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha, no Campo Limpo, na zona sul, e o Hospital Municipal e Maternidade Prof. Mário Degni, no Jardim Sarah, na zona oeste. Segundo organizações que acompanham mulheres que precisam do aborto tardio, os procedimentos não são realizados nessas unidades.
A gestão municipal enfrenta críticas desde o fechamento do serviço no Hospital Municipal e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, referência na realização do aborto na cidade, em dezembro de 2023. O hospital era o único que realizava o serviço de interrupção de gestações avançadas.
Na época, a prefeitura afirmou que o serviço seria fechado temporariamente, mas nunca foi reaberto. A justificativa da gestão era que a paralisação ocorreu para que fossem realizadas cirurgias eletivas, mutirões cirúrgicos e outros procedimentos envolvendo a saúde da mulher.
Em caso recente, uma mulher que procurou atendimento no Hospital Municipal e Maternidade Prof. Mário Degni, indicado como referência pela prefeitura, relatou ter sido questionada sobre qual nome gostaria de dar para o feto e orientada a apresentar um familiar que concordasse com sua decisão para então fazer o procedimento, embora fosse adulta. Ela já havia sido atendida no Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha.
O estado de São Paulo realizou cerca de 18% dos procedimentos de aborto legal no país de abril de 2022 e abril de 2024, segundo dados do SUS (Sistema Único de Saúde).
O fechamento do Vila Nova Cachoeirinha antecedeu uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que mirava a assistolia fetal. Na decisão, a entidade tentou barrar o procedimento em gravidezes acima de 22 semanas de mulheres vítimas de estupro.
A resolução foi suspensa pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes até que o julgamento final da controvérsia, e determinou ainda que o CFM fosse comunicado.
A resolução, por sua vez, foi motor para o PL Antiaborto por Estupro, que quer colocar um teto de 22 semanas na interrupção de gestações por estupro quando houver viabilidade fetal, aumentando a pena para quem realizar o procedimento (médico ou gestante) após o período. O objetivo da proposição é equiparar a punição para o aborto à reclusão prevista em caso de homicídio simples.
Após críticas e pressão da sociedade civil, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), disse que uma série de debates sobre o tema seria feita antes de qualquer decisão dos parlamentares. Ele chegou a anunciar que a relatoria seria feita por uma mulher de centro e moderada.
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