Desde a suspensão da plataforma X (antigo Twitter), o bancário Matheus Marques, 33, já se pegou tentando acessar o aplicativo três vezes. Com 82 mil seguidores e conhecido na rede social como “Tânia Tumulto”, ele diz que costumava passar o dia inteiro na plataforma –e a súbita falta dela o deixou ansioso.
Apesar do sentimento, ainda não optou por uma rede social substituta. “Pensei em tudo o que eu conseguiria fazer no meu tempo livre. Os livros que eu ainda não li, as coisas que não estudei. Ainda estou vivendo o estresse pós-traumático, depois decido onde morar”, brinca.
A sensação de desamparo pode ser comum aos que tinham a rede como um “espaço de habitação”, como pode ser compreendido o espaço cibernético hoje, de acordo com Juliana Fernandes, doutora em psicologia e especialista em dependências tecnológicas.
“Com a saída do ‘X’, várias pessoas que utilizavam aquele lugar como contexto de habitação, estão com sentimentos de orfandade mesmo. ‘Onde é que eu estou? Eu vou para onde? Cadê a comunidade com que eu me direciono, me relaciono?’ Esse estilo de linguagem que era uma prática cotidiana, vai para onde agora? Então isso toca também nos afetos, nos sentimentos, no modo de pensar”, afirma.
A partir daí, é comum que criem-se comportamentos para substituir o lugar onde havia a manifestação dessa linguagem, de expressões de pensamentos e de ideias.
O advogado Arthur Rovere, 27, usava o aplicativo por cerca de duas horas por dia para postar seus próprios pensamentos, piadinhas e para interagir com amigos. Agora, tenta “despejar” reflexões nas notas do celular e em um aplicativo que simula um diário. Além disso, passou a responder mais as pessoas pelo WhatsApp, que costumava deixar de lado.
“Tinha muitos mutuals [quando você segue uma pessoa que te segue de volta] que eu tinha mais contato só por lá mesmo”, diz.
O sentimento de ansiedade pode também vir de um lugar de luto pela perda da conexão com outras pessoas, afirma a mestra em psicologia clínica, Daniela Zibenberg. “Quando falamos de ansiedade, falamos de preocupação com o futuro. O período de luto vai trazer outros sintomas, e um deles pode ser a ansiedade, de repente um vazio. Cada um vai lidar da sua forma”, diz ela
Para evitar a perda total do contato, alguns dos usuários têm usado o aplicativo “BlueSky” como substituto. A plataforma publicou que registrou um recorde de acessos entre brasileiros na sexta-feira (30).
O gerente de produto Lucas Morales, 31, já tinha conta na plataforma devido às outras vezes em que o X apresentou instabilidades. Usuário da rede há 15 anos, ele diz que a sensação foi de um retorno para um Twitter que já não existia mais.
“É uma rede que não tem propaganda, é muito menor. E muita gente migrou de uma vez só. Sem a quantidade de bots e as contas automatizadas que dominaram o Twitter recentemente. Foi a sensação de uma comunidade realmente se formando. Então lembrou o Twitter de 10 anos atrás. Mas é estranho, no final das contas, porque é algo que fazia parte da vida desde a adolescência”.
A pequena dose de prazer que as redes sociais provocam também pode fazer usuários mais viciados passarem por verdadeiras irregularidades e desorganizações emocionais, afirma Fernandes.
A sensação é causada pela dopamina, substância que pode ser liberada pelo cérebro quando recebemos uma curtida, um comentário, ou uma nova mensagem, por exemplo.
Mas se essa é uma oportunidade para o “detox digital”, é o próprio usuário quem vai dizer. “Não é que a internet seja o problema, mas o uso problemático da internet é a a questão. Quando ela se torna ali o maior consumidor do tempo, da produtividade, da energia da vida. Do cotidiano em si”, diz Fernandes.
Segundo ela, é comum que, de início, as pessoas não percebam os sintomas do mal uso do ambiente online. “Tem que estar muito atento para que o uso seja o mais saudável e produtivo possível.”