Estava em casa finalmente. Depois da sexta internação, enfim ia ficar sozinha. Minha família era contra, mas acabaram cedendo. Agora era eu comigo mesma. Uma solidão enorme.
Não tinha mais a garrafa para me fazer companhia, não tinha mais os amigos e parentes, eles havia se afastado. Depois de hesitar muito, decidi procurar um grupo de Alcoólicos Anônimos. Havia panfletos deles em todas a clínicas por que passei.
Encontrei pessoas que eu nunca tinha visto, mas que sabiam exatamente o que eu estava sentindo.
A força do grupo me deu ânimo para ensaiar um recomeço. Um recomeço, isso mesmo: tudo na minha vida tinha desmoronado. Era preciso construir uma bússola só minha, que me indicasse para onde ir.
Eu tinha apenas meu cachorro —ele me fazia companhia e me solicitava para andar e me reanimar.
Ele tinha um ano e muita energia para gastar. Ao contrário de mim. Mal eu me levantava e lá estava ele ao meu lado, todo contente, esperando por um passeio. Ele me ajudou muito. Aos poucos pude andar com as próprias pernas.
Depois de um ano frequentando o grupo, consegui um emprego de final de semana. Não era nada demais, mas naquele momento me apontou um rumo. O trabalho sempre me ajudou muito, e continua me ajudando.
Agora, além do meu cachorro, eu tinha um trabalho que me dava uma graninha para animar meus dias. E tinha também os Alcoólicos Anônimos: junto com o cachorro, o grupo fez com que eu fosse voltando à realidade. Meus companheiros me incentivavam a andar todo dia —e levar o cachorro para passear era o melhor pretexto— e aos poucos ir voltando a perceber a beleza da vida.
Depois desse primeiro freelance, me reaproximei de alguns antigos amigos que me me deram a maior força para voltar ao mercado de trabalho. Respirei fundo: era uma tarefa difícil me comprometer a estar num lugar todos os dias, de cara limpa.
Já contei por aqui os inúmeros estragos que fiz trabalhando embriagada. Esse comportamento acabou com minha credibilidade. Eu duvidava que alguém me empregasse, até me punha no lugar do empregador e chegava à conclusão de que ninguém iria encarar…
O tempo foi passando, eu continuei nos grupos e as caminhadas com meu cachorro ficaram cada vez mais longas. Andar bastante estimulava a famosa serotonina, que me ajudava a crer que tudo poderia recomeçar.
Então encontrei um emprego temporário cujo horário me permitia não perder as reuniões do AA. Fiquei animada. Todos os dias saía do trabalho e ia ao grupo falar das minhas dificuldades. Ali eu conheci desde pessoas que frequentavam o grupo havia muito tempo e me ajudaram, até novatos desesperados, e esses era eu que ajudava. Ouvir os veteranos e falar com os recrutas era uma combinação perfeita que me foi dando a certeza de que eu ia conseguir superar o desespero que é se recuperar do alcoolismo.
A solidão foi passando, a vida foi voltando ao normal. Eu estava em plena forma para recomeçar. Precisei de muitos elementos, muitas pessoas. Sozinha é praticamente impossível, como eu já sabia.
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