‘Meta de emprego’ sugerida por Lula pode fazer Banco Central abandonar sua função – Notícias – Zonatti Apps

‘Meta de emprego’ sugerida por Lula pode fazer Banco Central abandonar sua função – Notícias


Para que serve um banco central? Como é decidida a política monetária e como são definidos os juros da economia? Quem tem controle sobre a inflação? Essas três perguntas, que podem assustar muita gente, principalmente quem não conhece economia, são fundamentais não apenas para entender por que os preços sobem e o poder de compra diminui, mas também para avaliar se as propostas de um político são viáveis e benéficas para o país e para o povo — ainda mais a três dias do segundo turno da eleição para o cargo de presidente da República


Em uma das entrevistas concedidas ao longo da campanha, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que o BC (Banco Central) “precisa assumir outra responsabilidade”, e alegou que o único mecanismo que o órgão pode utilizar é aumentar a taxa de juros. Na ocasião, o candidato afirmou que o banco, que tem “poder para taxar e dar meta de inflação, precisa dar a meta de crescimento econômico e a meta de emprego que nós vamos criar”.



Quanto ao “único mecanismo”do BC mencionado por Lula, a referência é à Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira, que é definida periodicamente, conforme calendário da instituição, nas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária). O encontro mais recente foi finalizado na quarta-feira (26) e teve como resultado a manutenção da taxa de juros em 13,75% ao ano


Por meio da Selic, os diretores do BC tentam manter sob controle a inflação oficial, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Garantir a estabilidade de preços é, portanto, o objetivo fundamental do banco, desde 24 de fevereiro de 2021, quando foi promulgada a lei complementar n° 179, que estabeleceu a autonomia do órgão. 


Desvio de função


Por isso, a ideia do ex-presidente — de atribuir ao Banco Central a criação de metas de emprego e de crescimento econômico — é vista como equivocada e “um erro” por pessoas que já passaram pela diretoria do BC e pelo Ministério da Economia, e que também atuam no mercado financeiro. 


“Isso faria o Banco Central abandonar sua função essencial, que é estabilizar a economia”, afirma Maílson da Nóbrega, que foi ministro da Fazenda entre 1988 e 1990, no governo de José Sarney. “O BC não tem instrumentos para contribuir com a geração de empregos. Essa é uma política ‘voo de galinha’: dá um salto e cai logo na frente”, ilustra.


Para o ex-ministro, o maior risco é ocorrer o efeito contrário: “Destruir a estabilidade, desacelerar o crescimento e desabar a criação de empregos”. A medida afastaria o banco da meta de inflação. “Na condução da política econômica, é preciso muito engenho e arte; senão, não seria necessário ter pessoas. Poderíamos usar máquinas”, diz Nóbrega.



Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central e consultor econômico independente, considera a sugestão de Lula um erro. “A meta só atrapalharia. Eu trabalhei anos no BC, e nunca vi uma diretoria despreocupada com o nível de emprego e de atividade econômica. Nenhum presidente do banco deixou de manifestar preocupação com isso.” 


Ele lembra que, na lei de 2021, sobre a autonomia do BC, ficou estabelecido que, além de ter a manutenção de preços estáveis como principal objetivo, a autoridade monetária deve zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro, atenuar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego. 


“O BC cuida do equilíbrio macro, que se traduz na estabilidade da moeda, e tem toda a função do equilíbrio cambial. É um órgão que se ocupa da estabilidade da economia, que tem que se preocupar quando aumenta o volume do dinheiro de alta potência”, explica Freitas. Ele afirma que, quando o banco aumenta os juros, “tem que dosar, para saber o que está combatendo, sem exagerar. Não precisa desse dispositivo [meta de emprego], porque nenhum presidente do BC vem do planeta Marte e está desvinculado da economia real”, diz.



“O pessoal da esquerda gosta disso”, completa o ex-diretor da instituição. “No curto prazo, pode ocorrer redução da demanda agregada, para evitar que a inflação ganhe vida própria, o que vai restringir o pleno emprego. Com a estabilização da moeda, ao contrário, a economia volta com mais força, e mais substancial.”


Maílson da Nóbrega também considera que a proposta do ex-presidente agrade às pessoas que compartilham essas ideologias. “Ele falou para suas bases. O Lula e o economista do PT se inspiraram nos Estados Unidos, apesar de criticá-los tanto, pois lá o banco central se preocupa com os empregos, por causa de debates que aconteceram nos anos 1950. Isso foi muito particular de uma época”, esclarece.


“Hoje, o Fed [Federal Reserve, o banco central americano] já achou uma maneira de sair pela tangente, e se preocupa com inflação e com emprego da seguinte maneira: se a política monetária afetar os empregos, eles baixam os juros; e, quando a economia cresce, ela gera empregos, de maneira indireta. Funciona, mas não significa que é o certo”, diz o ex-ministro.



Assim como Freitas, Nóbrega afirma que a lei complementar n° 179 prevê que o BC fomente o pleno emprego. “Preocupar-se com o nível de emprego é diferente de ter uma meta, que é uma esquisitice. O banco não pode perseguir metas conflitantes”, analisa.


Tatiana Nogueira, economista da XP Investimentos, afirma que a maioria dos bancos centrais tem uma única meta, que é a de inflação. “Vivemos um momento inflacionário, e o Banco Central optou por fazer o que for necessário para levar a inflação até a meta, mesmo que isso custe a desaceleração, ou até a recessão da atividade econômica e o aumento do desemprego. Na hora de escolher, a opção foi pela manutenção da estabilidade dos preços”, explica. 


Ela diz que essa estabilidade é fundamental para garantir o crescimento. “Eu acredito que até existam discussões [sobre meta de empregos], por falta de entendimento de como opera o Banco Central, mas já se olha para isso; há um cuidado para suavizar e não fazer movimentos bruscos, que afetem a atividade econômica e o emprego”, finaliza.


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