Apesar de a base aliada do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dar como garantida a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) do estouro, há risco de o texto não ser aprovado a tempo e comprometer os planos do próximo governo de honrar com as promessas de campanha.
A proposta de tirar o Auxílio Brasil de forma permanente do teto de gastos não tem adesão suficiente no Senado, por onde começa a tramitação da PEC. Aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) reclamam da falta de discussão do texto e aproveitam a fragilidade em relação ao cumprimento das regras fiscais para fazer oposição.
Ainda que a PEC passe pelo Senado, voltaria a ser questionada na Câmara dos Deputados, principalmente sobre a durabilidade. O R7 apurou que a base de Bolsonaro estaria incomodada com “tanta regalia” ao novo governo. Além disso, o centrão, comandado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), estaria impondo a preservação das emendas de relator — conhecidas como orçamento secreto — no Orçamento Federal de 2023 como moeda de troca para aprovação da PEC.
Para evitar desgaste e conseguir adesão dos parlamentares, o governo de transição chegou a fazer alguns ajustes no texto da PEC apresentado nesta quarta-feira (16), mas que ainda não devem ser suficientes.
“Vamos construir o texto em conjunto e o que será apresentado na sequência não será nem de longe esse que foi entregue”, afirmou o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União-AP), no momento em que recebeu o documento, na última quarta-feira (16).
O impasse tem capacidade de empacar a PEC e fazer com que a equipe de transição recorra a outras estratégias para continuar o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 no ano que vem. Volta à mesa de discussão o envio de uma medida provisória (MP) com pedido de abertura de crédito extraordinário.
Na reunião de entrega do texto da PEC, Davi Alcolumbre alertou o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), para a recusa de grande parte dos senadores em “furar” o teto de gastos de forma permanente. O que está pacificado é somente a liberação excepcional para bancar o Auxílio Brasil em 2023.
A indicação bate de frente com o que tem dito o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Parlamentares da oposição de Lula e de partidos que dividem posicionamento disseram ao R7 que não houve debate amplo até o momento, ficando as discussões restritas à cúpula de apoio ao presidente eleito.
Segundo interlocutores ligados a Alcolumbre, pelo menos 40 senadores não estão dispostos a aprovar um texto propondo furar o teto indeterminadamente. Sem o apoio da maioria absoluta, o que exige 49 votos favoráveis do total de 81 senadores, a PEC para no Senado.
Críticas à PEC
Apesar de apoiar a eleição do presidente Lula, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) tem mostrado contrariedade em relação à PEC. Para ele, a medida que propõe furar o teto de gastos é uma forma de manter laços com o centrão, o que “apavora porque sinaliza descompromisso na política fiscal e imprevisibilidade”.
A oposição de Calheiros à PEC serve como um alerta para uma dificuldade de aprovação no Congresso. O emedebista é forte balizador dentro do partido e já disse que a proposta “não é o recomendável” e sugere uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) para abertura de créditos suplementares.
O posicionamento indica uma divisão de votos dentro do MDB, que tem 13 senadores. Do outro lado, a senadora Simone Tebet (MS), integrante da equipe de transição e uma das principais figuras de apoio de Lula para o segundo turno, puxa a turma emedebista favorável à PEC.
No Podemos, o entendimento é pela necessidade de apoiar a PEC a fim de garantir o Auxílio Brasil ampliado. Contudo, na legenda, alterações no texto são dadas como certas.
“Furar” o teto de gastos é uma possibilidade refutada pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS). Menos avesso à ideia, o senador Jorge Kajuru (GO) afirma que, sem a indicação de quem irá comandar o Ministério da Economia, não há como debater a excepcionalidade do benefício para os próximos anos.
“Sobre a validade da PEC, acho que o Congresso vai fixar o prazo levando em conta a definição de quem vai cuidar da economia a partir de 2023. Uma coisa está atrelada à outra”, disse. Para Kajuru, a discussão da responsabilidade fiscal tem que ser travada e também deve levar em consideração as desonerações e isenções fiscais. “Por baixo, os benefícios tributários passam de R$ 300 bilhões por ano. Isso precisa ser revisto”, afirmou.
No PSDB, o descumprimento da regra do teto também pesa na decisão dos parlamentares. O senador José Serra (SP) propõe uma PEC que use o limite da dívida como alternativa, de modo que a proposta do governo de transição não vire uma “PEC Kamikaze”.
Na sugestão de Serra, o governo Lula teria seis meses para enviar a proposta de endividamento ao Congresso. “No decorrer desse prazo, nossa PEC prevê que o Executivo poderia abrir crédito extraordinário de até R$ 100 bilhões para pagar o Bolsa Família e o reajuste do salário mínimo”, defende o parlamentar.
O que dizem aliados de Lula
Após apresentar a PEC no Senado, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), disse que “acredita que há clima favorável para votação” da proposta. Por outro lado, admite que o texto precisa ser debatido no Congresso. “É uma proposta de projeto para que a Câmara e o Senado possam analisar. Trouxemos uma proposta que não tem prazo, e agora cabe ao Congresso estabelecer.”
O relator-geral do Orçamento Federal, que também foi escolhido para relatar a PEC do estouro, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), defende a tese de que o Auxílio Brasil seja excepcionalizado de forma permanente. “Muito mais lógico escolher o princípio de que estamos fazendo um pacto com as famílias mais vulneráveis, mais pobres. Isso é tão marcante que não está sujeito a teto de gastos, a crescimento e a recessão. Então, a PEC vem nesse sentido”, defendeu.
Mesmo com as divergências, parlamentares e aliados a Lula estimam aprovar a PEC nas duas casas até 17 de dezembro. É necessário o aval de três quintos dos senadores (49 dos 81 votos possíveis) e dos deputados (308 votos entre 513), em dois turnos de votação.