A dupla Haddad-Mercadante e o Fies – 17/12/2022 – Elio Gaspari – Zonatti Apps

A dupla Haddad-Mercadante e o Fies – 17/12/2022 – Elio Gaspari

A década de governos petistas produziu políticas públicas exemplares e desastres. Na educação, conseguiu as duas coisas. No primeiro mandato de Lula, o ministro Tarso Genro, com a colaboração de Fernando Haddad, fez o ProUni.

Parecia mágica. As faculdades privadas recebiam isenções tributárias e argumentavam que ofereciam bolsas de estudo em contrapartida. Era meia verdade, pois essas bolsas (quando existiam) eram distribuídas para amigos ou amigos dos amigos. O ProUni vinculou as bolsas à renda familiar do estudante e ao seu desempenho no Enem. Sem qualquer despesa, abriram-se as portas do ensino superior privado para jovens do andar de baixo.

Ia tudo bem, quando o ministro da Educação Fernando Haddad (2005-2012) resolveu ressuscitar um programa de crédito público para estudantes de faculdades privadas, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, Fies.

Aos poucos as regras do crédito foram mudadas. Não havia exigência de desempenho e afrouxaram-se as regras da fiança. O resultado foi uma explosão de bolsistas do Fies. Em 2012, Haddad, futuro ministro da Fazenda, foi substituído no MEC por Aloizio Mercadante, futuro presidente do BNDES. Em dois anos os bolsistas passaram de 224,8 mil para 1,14 milhão em 2014, uma expansão de mais de 400%.

Conglomerados privados do setor educacional prosperaram. A Kroton, com 130 unidades em 19 estados e mais de 1 milhão de alunos, lucrou R$ 517 milhões em 2013, 155% a mais que no ano anterior. Seu valor na Bolsa chegou a R$ 25 bilhões, tornando-a a maior do mundo no setor.

Em dezembro de 2014, Haddad, então na Prefeitura de São Paulo, dizia: “O Brasil é reconhecido por ter os maiores grupos econômicos na educação e não adianta falar que é mérito do empresário, porque sem o pano de fundo institucional não tem quem prospere. O maior grupo econômico de educação do mundo é brasileiro.” Pudera, naquele ano, o Fies rendera-lhe R$ 2 bilhões, cifra inédita até para a empreiteira Odebrecht.

Três meses antes o banco Morgan Stanley havia avisado que a inadimplência poderia levar a uma implosão do Fies.

Não deu outra. De um lado, o governo viu-se obrigado a fechar a porta do cofre e, de outro, as astúcias do sucesso foram expostas. Em fevereiro de 2015, os repórteres José Roberto de Toledo, Paulo Saldaña e Rodrigo Burgarelli mastigaram o Fies.

Entre 2010 e 2014 o custo do programa passou de R$ 1,1 bilhão para R$ 13,4 bilhões em valores corrigidos. As faculdades privadas estimulavam os alunos a solicitar o financiamento, transferindo para a Viúva suas carteiras de inadimplência. Mais: se um estudante comprava a matrícula no balcão, às vezes tinha desconto. Para o plantel da Viúva, tarifa cheia. Pior: entre 2012 e 2013 a taxa de evasão das faculdades privadas era de 28% e entre os bolsistas chegava a 88%.

Em 2015, a presidente Dilma Rousseff admitiu que o governo errou ao passar para as faculdades privadas o controle do acesso ao Fies. O novo ministro da Educação, Cid Gomes, pôs alguma ordem na maluquice e passou a exigir uma nota mínima de 450 pontos no Enem. Também não podia receber financiamento quem tirasse zero na redação. O mundo veio abaixo. Exigir desempenho seria “limpeza étnica” e outro magano da guilda das faculdades prenunciou uma “catástrofe” pois o ministro não era “do ramo” e levara o governo a fazer “uma cagada”.

Antes dos anos de Haddad e Mercadante no MEC, o financiamento público dos estudantes ia mal das pernas. Depois, ficou sem elas. O mercado acomodou-se, criando sistemas próprios, sempre com fiador.

O financiamento público tenta se reerguer. Em janeiro passado, o governo de Bolsonaro, acompanhando uma promessa de Lula, concedeu uma anistia de até 92% do valor devido por estudantes financiados até o final de 2017. Cerca de 1 milhão de jovens tinham atrasos superiores a 90 dias no Fies. O espeto pode chegar a R$ 6,6 bilhões.


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