“O Amante de Lady Chatterley”, uma história de amor, começa com uma experiência profundamente complexa que necessita de duas almas para uma verdadeira manifestação. Essa dança do amor entre duas pessoas engloba inúmeros aspectos de suas vidas, cada uma delas carregando suas próprias peculiaridades, preconceitos, contradições e medos. Assim, pode-se dizer que o amor é um dos mais sofisticados empreendimentos intelectuais — uma cadeia de iluminações que só atingem a plenitude quando os apaixonados possuem total controle sobre suas faculdades mentais, discernindo precisamente o que nutrir no outro para se aproximar da promessa de uma felicidade digna do nome. Afinal, a felicidade é um bicho esquivo que foge do homem sempre que se sente perseguida. O amor é a apoteose do refinamento humano que alguém pode alcançar ao longo da vida; é inconcebível que alguém conclua a jornada terrena sem ter amado — pode-se, obviamente, morrer sem a experiência do amor carnal, mas o amor, ou a ilusão dele, é tão vital para o ser humano que sempre encontramos algum vestígio de sanidade na loucura dos amores não consumados, porque vivem na alma eterna daqueles que ousaram se perder no mais belo dos sonhos.
Apenas quando os cônjuges percebem, frequentemente após inúmeras lutas contra seus próprios moinhos de vento, que estão juntos para descobrir o que os impulsiona a manter sua história em comum, e não para dar espaço a fantasias juvenis sobre amor eterno e devaneios amorosos que desafiam a lógica e a biologia, é que o amor pode florescer genuinamente. Este é o caso quando esses dois seres, apesar de suas incongruências, de suas muitas peculiaridades e medos, se tornam um só perante Deus, a sociedade e, acima de tudo, eles mesmos. É o momento exato em que vislumbram uma possibilidade, por mínima que seja, de ignorar seus erros, focar no que é mais valioso para eles e escolher permanecer juntos, superando todas as adversidades.
Mas “O Amante de Lady Chatterley” também é um tratado sobre o poder do ódio, que usa o amor para florescer silenciosamente, sufocando tudo ao seu redor com uma sutileza absoluta, à luz de um balé maldito. Nesta adaptação, a sexta desde a obra de Marc Allégret em 1955, Emma Corrin dá vida a uma Lady Chatterley de uma doçura quase pornográfica para a época, mas muito fiel à narrativa de D.H. Lawrence.
No final, após serem golpeadas pela mais humana das emoções e pela maldição de bocas diabólicas, essas duas almas passam por momentos difíceis. A ex-lady Chatterley em autoexílio em Veneza com a irmã Hilda, vivida pela excelente Faye Marsay, e Mellors em uma aldeia escocesa, começando do zero, de novo. A fotografia em sal de prata e mercúrio de Benoît Delhomme ajuda o espectador a esquecer a tristeza deles, principalmente nas cenas edênicas, nada lascivas, de dois corpos marmóreos nus, amando-se na relva ou tomando banho de chuva, como duas crianças travessas. A felicidade, em muitas circunstâncias, é realmente apenas isso: um amor confuso, depois de mil revoluções contra esse adorável inimigo.
O roteiro de David Magee pode omitir, mas no romance, Lawrence enfatiza que Constance já teve algumas experiências amorosas antes de conhecer o baronete Clifford Chatterley, interpretado por Matthew Duckett, por quem se apaixona e é correspondida. A maneira como Constance se comporta ao longo da trama sugere que ela pode ter tomado a iniciativa em relação ao pretendente, com quem logo se casa.
A bela e rica Lady Chatterley, com uma posição respeitável na sociedade conservadora da Inglaterra após a Primeira Guerra Mundial, se deixa seduzir não pelo jardineiro viril, doce e leitor de James Joyce que trabalha para o marido, mas por tudo o que aquele homem encerra de mágico e simples para ela, presa em um casamento infeliz. A diretora francesa Laure de Clermont-Tonnerre apropria-se da caneta do britânico D. H. Lawrence e transpõe para a tela um dos romances mais lindamente provocantes já produzidos na literatura universal.
Filme: O Amante de Lady Chatterley
Direção: Laure de Clermont-Tonnerre
Ano: 2022
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 9/10