Nabeel Yaseen, professor de patologia da Universidade Northwestern, em Chicago, tentou parar de comer carne, mas o esforço durou apenas dez dias. Nesse período ele sentiu fraqueza física e mental, e abandonou a dieta. Mas a sua experiência rendeu um estudo publicado neste mês na revista PLoS One. Intrigado pela sua tentativa mal sucedida, o cientista acabou descobrindo três genes humanos que estão associados ao vegetarianismo.
“Se você perguntar diretamente para as pessoas se elas são vegetarianas, um certo número dirá que sim. Mas se olharmos atentamente, veremos que muitas dessas pessoas comem carne, ao menos ocasionalmente”, afirma o especialista. A dificuldade de aderir a uma dieta vegetariana foi o ponto de partida do estudo, que analisou o genoma de quase 330 mil pessoas disponíveis no Biobanco do Reino Unido.
Os dados genéticos foram cruzados com dados de alimentação dos participantes. Para fins da pesquisa, foram considerados vegetarianos aqueles que não fizeram absolutamente nenhum consumo de carne no ano anterior, ou seja, quem conseguiu seguir à risca esse estilo de vida. No total, 5.300 pessoas foram avaliadas, incluindo aqueles que consomem ovos, leites ou outros derivados.
Utilizando técnicas computacionais, os pesquisadores descobriram três genes ligados ao vegetarianismo —o resultado foi estatisticamente significativo. Isso significa que vegetarianos rigorosos possuem alterações nessas partes do DNA diferente das demais pessoas. Para Yaseen, isso significa que pode haver algo no nosso código genético que favoreça uma dieta sem carne, mas ele reconhece que, com o que sabemos, só é possível especular.
A pós-doutoranda na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Hanaísa de Plá e Sant’Anna, diz que ainda é cedo para afirmar que a genética é um fator importante na hora de seguir rigorosamente o vegetarianismo. Ela acrescenta que o estudo identifica associação entre os genes e o comportamento, mas não necessariamente um é a causa do outro.
Ela aponta limitações no estudo, como uma pequena parcela de vegetarianos incluídos na amostra, colocando em xeque os resultados obtidos e indicando que novas pesquisas são necessárias. Outro problema é a falta de diversidade do grupo, que incluiu apenas indivíduos declarados como brancos.
Por fim, mesmo que seja confirmada a associação, a genética não é o único fator. “Podem ter outros fatores, incluindo questões culturais, religiosas, morais, influência do meio, e outros, que são difíceis de mensurar em pesquisas científicas”, diz Sant’Anna.
Manuela Dolinsky, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense) e diretora do Conselho Federal de Nutricionistas, afirma que a redução ou interrupção do consumo de carne pode se dar até mesmo por motivos fisiológicos, em pessoas que sentem desconforto ao comer produtos de origem animal. Segundo pesquisa realizada pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria, antgo Ibope) em 2018, 14% da população brasileira se declara vegetariana.
Diversos estudos científicos apontam benefícios que podem derivar desse hábito de alimentação. O consumo exclusivo de produtos de base vegetal promove redução do colesterol e de gordura saturada, reduzindo o risco de obesidade, hipertensão, doenças cardiovasculares, síndrome metabólica, diabetes e até mesmo alguns tipos de câncer.
Uma pesquisa publicada no começo deste ano na revista científica Jama (Journal of the American Medical Association), mostra que os chamados flexivegetarianos têm efeitos similares para a perda de peso e redução do risco de doenças cardiovasculares.
Não basta, porém, substituir a carne por industrializados de origem vegetal. A escolha de produtos de boa qualidade também joga um papel relevante na saúde de quem adere ao vegetarianismo. Outro estudo publicado também na Jama analisou dados de 120 mil pessoas disponíveis no Biobanco britânico e mostrou que uma dieta vegetariana reduz os riscos de mortalidade, doenças cardiovasculares, câncer de mama, próstata e colorretal, infarto, AVC (acidente vascular cerebral) e fraturas.
Apesar dos muitos benefícios, dietas sem derivados animais podem levar ao déficit de vitamina B12 e cálcio, que está associado ao risco de osteoporose.
Para Yaseen, os resultados do seu estudo ajudam a entender como o nosso material genético pode influenciar os hábitos alimentares. As descobertas recentes podem auxiliar a criar no futuro uma escala de risco genético capaz de apontar pessoas mais ou menos inclinadas para uma vida vegetariana.