Apenas uma rajada de vento, uma trilha de poeira e o ruído dos meus próprios passos.
Cai uma chuva fraca enquanto molho os pés nas poças e pulo sobre as rochas. Eu me sinto em êxtase, livre e totalmente em paz.
De repente, aumento a velocidade, só de brincadeira.
Correr é uma das atividades físicas mais praticadas e populares do mundo. Só nos Estados Unidos, existem cerca de 64 milhões de corredores – uma história que se repete pelo mundo afora.
Cada vez mais pessoas correm maratonas. O número de maratonistas praticamente dobrou entre 2021 e 2022, entre os usuários do aplicativo de fitness Strava.
Em 2023, a organização Parkrun divulgou que mais de 8,5 milhões de corredores se registraram para participar dos seus eventos comunitários realizados semanalmente em parques públicos de várias partes do mundo.
Por que correr é uma atividade que atrai tantas pessoas? Um dos motivos talvez seja sua acessibilidade.
Você não precisa comprar equipamento, que pode ser caro, nem de uma academia de ginástica. Você pode simplesmente calçar um par de tênis, sair pela porta e começar a correr. Simples assim.
Mas será que é este o verdadeiro motivo? O que diferencia as pessoas que conseguem correr com rapidez daquelas que correm mais devagar?
Existem cada vez mais evidências de que a genética pode desempenhar um papel importante a este respeito.
A corredora britânica Ciara Mageean está treinando em altitude em Flagstaff, no Estado americano do Arizona. Ela está se preparando para os Jogos Olímpicos de 2024, em Paris, na França.
Mageean coleciona diversas vitórias, como suas medalhas de prata nos Jogos da Comunidade Britânica e no Campeonato Europeu, um quarto lugar no Campeonato Mundial e os recordes irlandeses dos 800, 1.000, 1.500 e 1.600 metros.
Recentemente, a atleta de 31 anos estabeleceu o recorde mundial do Parkrun, ao completar 5 km em apenas 15 minutos e 13 segundos – menos da metade do tempo médio da corrida.
São sete horas da manhã. Mageean irá começar seu dia de treinamento.
Sua positividade e seu amor declarado pelo esporte são contagiantes. Mas chegar ao topo não é uma tarefa simples.
“Fui criada praticando um esporte chamado camogie, um jogo irlandês parecido com hóquei sobre a grama”, ela conta.
“Eu conseguia correr o dia inteiro, então me colocaram no meio-campo. Mas eu não diria que era a mais rápida. O dia do esporte era o meu dia favorito do ano, mas eu não ganhava todas as corridas de velocidade.”
O talento de Mageean não está na maratona, nem na corrida de velocidade. Está na meia-distância. E sua competitividade natural a levou a fazer esta descoberta.
“Eu simplesmente adorava a emoção e a adrenalina de competir”, ela conta.
“Eu ficava disposta a dar tudo de mim. Eu causava dores em mim mesma para chegar lá e ser competitiva. Mas eu sempre soube que era super-rápida? Não.”
Por sorte, Mageean descobriu que tinha uma capacidade natural que a levaria aos níveis mais altos do atletismo.
“Sinto que é impossível competir no topo do atletismo sem ter esse componente genético”, segundo ela.
Cientistas vêm pesquisando a existência de um “gene da velocidade” há mais de duas décadas. Existem cada vez mais evidências de que a composição genética pode ter forte influência sobre o desempenho esportivo.
Existem mais de 200 variações genéticas diferentes que podem influenciar o desempenho esportivo e pelo menos 20 que podem contribuir para que alguém seja um atleta de elite. Mas é importante salientar que essas características sozinhas não irão transformar uma pessoa em um atleta.
Na verdade, existem diversos caminhos para se tornar um atleta de elite. E, em combinação com o treinamento certo e uma série de fatores ambientais, carregar as variantes corretas de certos genes pode oferecer certas vantagens para alguns indivíduos.
A genética da velocidade
O chamado gene da velocidade, ou ACTN3, é um gene que codifica a proteína alfa-actinina-3, expressa apenas em fibras musculares de contração rápida.
Os músculos esqueléticos são compostos de centenas, às vezes milhares de fibras musculares reunidas e envolvidas em tecido conector. Cada fibra de músculo esquelético é uma célula muscular cilíndrica. Elas são classificadas pela sua velocidade de contração.
As fibras do tipo 1, ou de “contração lenta”, são frequentemente encontradas em grandes quantidades em atletas de resistência de elite, como os ciclistas e corredores de longas distâncias. Já as fibras do tipo 2, ou de “contração rápida”, são mais numerosas em atletas de força de elite, como halterofilistas e corredores de velocidade.
Recentemente, pesquisadores da Universidade de Exeter, no Reino Unido, deram um passo adiante nas pesquisas sobre o papel dos genes no atletismo.
O cientista esportivo Henry Chung e sua equipe pesquisaram milhares de genes no DNA de 45 homens e mulheres britânicos com idades entre 20 e 40 anos. Por oito semanas, os participantes correram por 30 minutos, três vezes por semana.
“Em oito semanas, você normalmente observa um aumento de 10% do condicionamento cardiorrespiratório, ou VO2 máximo – a capacidade de usar oxigênio como energia, que é o padrão-ouro da avaliação [do condicionamento aeróbico]”, explica Chung.
“Mas nós observamos um grande desvio padrão. Algumas pessoas melhoraram em 20%, outras em apenas 5%. E algumas não tiveram nenhuma melhoria.”
A equipe de Chung realizou então uma análise do genótipo de todos os corredores.
“Examinamos mais de 3 mil genes diferentes”, ele conta, “e encontramos 19 genes específicos que insistiam em aparecer – todos eles relacionados a algum tipo de variável de condicionamento.”
Esses genes foram relatados anteriormente, segundo Chung, mas este é o primeiro estudo que os relaciona entre si.
“As pessoas que melhoraram em cerca de 20% tinham todos esses 19 genes positivos, enquanto as pessoas que não melhoraram tanto tinham apenas um ou dois”, afirma o cientista.
Um dos 19 genes identificados era o chamado “gene guerreiro”, também conhecido como gene monoamina oxidase A (MAOA). Ele é associado à agressividade e aos comportamentos de risco.
“O gene guerreiro permite acionar o instinto de sobrevivência para pensar, ‘preciso correr, preciso me mover'”, explica Chung.
Mas o estudo também concluiu que menos de 31% das pessoas têm o componente genético necessário para aproveitar ao máximo seu treinamento. Como podemos então desafiar as nossas expectativas genéticas?
Pesquisas demonstram que a acentuada progressão dos recordes mundiais em corridas de velocidade desde o início dos Jogos Olímpicos Modernos se deve aos avanços da metodologia de treinamento, combinados com o progresso dos calçados e das pistas de corrida.
Mas os especialistas também dizem que, com treinamento, você pode simplesmente mudar suas fibras musculares, de contração lenta para rápida. Por isso, talvez haja esperança para nós, que enfrentamos dificuldades para correr com velocidade.
“Conseguir correr rápido, na verdade, é muito simples”, afirma a especialista em biomecânica Steffi Colyer, da Universidade de Bath, no Reino Unido.
“Você precisa apenas conseguir aplicar forças muito grandes em relação ao peso do próprio corpo e ao solo com rapidez. Se quiser correr mais rápido, você precisa simplesmente poder aplicar mais força ao solo.”
Mas ela destaca que as necessidades mecânicas da corrida de velocidade se alteram “de forma bastante dramática” ao longo do seu desempenho.
“Nós falamos em corrida de velocidade em termos de fase de aceleração e, em seguida, uma fase de velocidade máxima”, afirma ela.
A aceleração é mais alta no início e diminui ao longo da corrida, explica Colyer. E, à medida que a velocidade aumenta, o seu tempo de contato com o solo também diminui.
Com isso, suas oportunidades de aplicar força são reduzidas, até o ponto em que o tempo de contato é tão curto que você não consegue gerar a força necessária para continuar acelerando – e não consegue mais aumentar a velocidade.
“Você então luta com todas as forças para manter aquela velocidade”, prossegue ela. “Normalmente, nos 100 metros rasos, você também observa uma leve fase de desaceleração no final da corrida.”
Para manter sua velocidade máxima pelo maior tempo possível, Colyer afirma que você precisa ativar seus músculos de forma coordenada, para contrair e gerar força. Ou seja, é uma combinação de força, potência e técnica.
Colyer explica que os seus pés devem fazer contato com o solo abaixo do seu corpo e não na frente. Isso irá ajudar a reduzir a força de frenagem ao atingir o solo.
Minimizar o contato com o solo pode economizar energia – e a rápida recuperação do seu pé ao sair do solo também ajuda.
“Você não quer que muita coisa aconteça na fase do ritmo”, explica ela. “Você quer recuperar a sua perna o mais rápido possível.”
Colyer acrescenta que coordenar a oscilação das coxas também é importante. “Poder acelerar rapidamente suas coxas para baixo e de volta para o solo também é associado à maior produção de força.”
Conselhos de atleta
Para uma corredora amadora como eu, tudo isso parece um pouco mais fácil de falar do que fazer. Como podemos traduzir essas instruções para o treinamento real?
“Existem muitas coisas que você pode fazer”, segundo Ciara Mageean.
“Sempre que corro, dou pequenas dicas para mim mesma. [Eu penso] ‘tap, tap, tap, tap, tap’ na minha cabeça – porque tocar o solo super rápido e trazer minha perna de volta para cima vai me ajudar a correr com rapidez.”
Mageean aconselha a subir e descer morros durante as sessões de treinamento.
“Eu realmente gosto de trajetos curtos em morros íngremes, por não mais de 10 segundos. Tente subir aquele morro correndo, o mais rápido que você puder. Caminhe de volta até o sopé do morro, recupere-se totalmente e suba de novo”, orienta ela.
Enquanto estiver fazendo o exercício, concentre-se na sua forma.
“Eu imagino que alguém tenha amarrado um cordão no meu tórax e esteja puxando para frente em um ângulo de 45 graus, para me fazer subir o morro”, conta a atleta.
“Tento permanecer bem e ereta, com meus braços se movendo lado a lado e uma tripla extensão adequada através dos meus pés. Com isso, meu pé toca o solo, minha perna se estende e meu quadril, também. Então trago minha perna de volta o mais rápido que posso. Acho essas simulações muito úteis.”
Mageean também aconselha a variar a velocidade. Para isso, acrescente treinos com ritmo “um pouco abaixo da sua velocidade de corrida”, corridas planas para incorporar alguma velocidade ao final de uma corrida longa ou faça um intervalo para uma sessão de fartlek.
“No fartlek, você corre, digamos, por três minutos [rápido], um minuto [lento] e repete”, explica ela. “Como são repetições curtas, você pode ir um pouco mais rápido.”
“Estes são os tipos de treinamento que eu faço e que realmente me ajudam a melhorar”, ela conta. “Para ganhar velocidade, você precisa aumentar sua capacidade aeróbica, para que, no final, você possa correr de volta para casa.”
Para mim, correr não é muito fácil. Meu tempo de 5 km permanece há alguns meses praticamente o mesmo, em cerca de 30 minutos.
Mas a velocidade realmente importa? Afinal, correr traz muitos outros benefícios, além de simplesmente olhar para o relógio.
Correr faz bem para o coração e para os ossos. Pode aumentar sua saúde mental e ajudar você a ter uma vida mais longa.
As pesquisas demonstram que “correr devagar” pode até trazer mais benefícios do que a rapidez, reduzindo o risco de lesões e ajudando a aumentar seu VO2 máximo e, consequentemente, sua velocidade.
Mageean reconhece o valor das pessoas que não têm essa capacidade inata, mas mantêm a disciplina para treinar.
“Conheço muitos atletas talentosos que possuem os componentes genéticos, mas simplesmente não têm a mentalidade de permanecer no esporte”, ela conta. “É algo muito difícil de se observar.”
“Por isso, tenho muito respeito por aqueles que talvez não tenham a mesma sorte dos que nasceram com isso, mas realmente lutam para conseguir o melhor de si próprios.”
Por outro lado, Chung acrescenta que “se você tiver os genes e trabalhar muito, poderá ser imbatível.”
Bem, nunca saberemos se não tentarmos. Alguém aqui está disposto a correr?