Recomendada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e cientificamente comprovada como segura, a assistolia fetal se tornou um dos argumentos dos que defendem o PL Antiaborto por Estupro, que avançou na Câmara dos Deputados na última quarta-feira (13).
O texto tem como objetivo estabelecer um teto de 22 semanas para a realização de qualquer aborto em casos de estupro no Brasil. Para gestante ou profissional que realizar o procedimento após esse período, a proposta prevê condenação por homicídio simples com pena podendo chegar a 20 anos.
O projeto surge após o CFM (Conselho Federal de Medicina) ter publicado uma resolução, em abril, no qual proibiu a realização de um procedimento necessário para o aborto depois da 22ª semana, a assistolia fetal. O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu a medida.
A tentativa de veto do CFM à assistolia fetal não tem justificativa científica e vai na contramão dos protocolos médicos seguidos no mundo.
O procedimento consiste na injeção de produtos químicos no feto para evitar que ele nasça com sinais transitórios de vida. Ele é recomendado pela OMS e é tido pelos protocolos nacionais e internacionais de obstetrícia como a melhor prática assistencial à mulher em casos de aborto legal acima de 20 semanas, já que ele previne o desgaste emocional e psicológico das pacientes e equipes médica.
“Esse é um procedimento essencial no aborto induzido, ele é parte fundamental dos cuidados em abortos nos casos de gravidezes mais avançadas. Sem a assistolia, não se trata de um aborto induzido em gestações mais avançadas, mas sim de uma indução de um parto prematuro”, explica Cristião Rosas, médico ginecologista e obstetra e coordenador no Brasil da Rede Médica pelo Direito de Decidir (Global Doctors For Choice).
O médico destaca que o aborto induzido é mais seguro do que o parto, por isso, a recomendação pela realização da assistolia.
Para Rosas, a tentativa de proibição do CFM à assistolia se baseia em uma falsa conclusão de resultados de estudos feitos com recém-nascidos prematuros, que foram generalizados para fetos abortados. Essa confusão levou o conselho a defender a viabilidade fetal, que é mencionado agora no texto do PL que tramita na Câmara.
A menção à viabilidade fetal no projeto de lei cria risco para que situações como risco de vida à mãe e anencefalia fetal, em que o procedimento é permitido, sejam afetadas, podendo gerar obstáculo de acesso ao serviço para essas pessoas.
“Em 2023, a OMS publicou um protocolo, baseado na revisão de toda a literatura médica mundial sobre o tema, no qual orienta pela assistolia. É um procedimento indolor para o feto, que garante a segurança do abortamento induzido”, diz Rosas.
Segundo os especialistas, 80% dos casos de abortos legais que demandam assistolia fetal se referem a crianças e adolescentes que, na maioria das vezes, foram estupradas por familiares ou pessoas conhecidas –algumas há muito tempo.
Em geral, os casos chegam a idades gestacionais avançadas por conta da burocracia necessária para acessar o direito ao aborto, como exames e, por vezes, autorização judicial, e do fato de grande parte dos casos serem em menores de idade que foram violentadas.
No Brasil, a interrupção da gravidez é permitida quando há risco de vida para a mulher e quando a gestação resulta de um estupro, de acordo com o Código Penal, além dos casos em que há anencefalia do feto, por entendimento do STF. Para todos os casos, não há limite de tempo gestacional.
“Apesar de o Brasil estar entre os 20% de países com legislação mais restritiva sobre o aborto, desde 1940 não se modifica a lei que trata sobre o assunto. Nenhum ponto da lei brasileira traz qualquer limitação relacionada ao tempo gestacional. Não há porque criar essa limitação”, diz Rosas.
A OMS não estabelece limite de idade gestacional para a realização do aborto.