Eu entendo ele se sentir culpado. Não deve ser fácil ser alcoólatra e ainda por cima ter uma filha que sempre abusou da substância. Sei que foi dificílimo para ele todas as vezes que me viu dando entrada num hospital por causa do álcool. Esta seria uma carta aberta a meu pai, se eu pudesse revelar o nome dele e se ele soubesse que eu é que escrevo esta coluna.
Nunca disse a ele que sou autora desse blog, que tenho tanta coisa a dizer e a aprender sobre o alcoolismo. Por quê? Tenho medo. Daí me dizem nos Alcoólicos Anônimos que quanto mais fé, menos medo. Meu pai tem tanta fé que rezou muito e reza todos os dias pelo meu bem-estar. Até quando estava bêbado, não tenho dúvida.
Ele tem muita fé, mas também teve muito medo de me perder. Não só nas inúmeras vezes que dei entrada numa UTI com possível quadro clínico à beira da morte, como quando me afrontava e dizia: “Se quiser beber, que beba na minha frente”. Eu bebia, mas escondido.
Numa das piores cenas da minha vida, enganei meu pai. Antes de entrar na clínica de recuperação, disse a ele que só precisava comer um sanduíche na esquina. Menti (sim, vocês sabem, era meu forte). A cada distração dele, eu pegava nas prateleiras do restaurante/bar uma bebida para me entorpecer. Outras pessoas me contaram que fizeram o mesmo: entraram em bares para matar umas antes da derradeira internação em uma clínica.
Quando chegou a conta do bar e a garçonete não omitiu as bebidas que peguei escondido dele, foi uma barra. Ele quase teve um treco. Não revelo a ele que sou a autora dessa coluna porque ele se sentiria ainda mais culpado se lesse tudo que passei por causa do meu alcoolismo. Ele certamente iria achar que tem a ver com ele.
Mas não. As minhas dores, as minhas não escolhas foram frutos de uma doença que é genética e que de culpa você não tem nada, pai. Eu bem sei que não tem um dia na sua vida que você não tenha pensado em mim e não tenha rezado para eu continuar na minha caminhada de força, fé e esperança.
Nunca foi sua culpa, pai, assim como nunca foi minha culpa nada do que fiz enquanto bêbada, porque o alcoolismo chegou bem antes do primeiro gole. O que escrevo aqui, agora que está chegando o Dia dos Pais, é para que você que é pai entenda que não é sua culpa ficar bebendo: é uma doença.
Eu sei que você tem vergonha. Também sei que você, que é filho de um alcoólatra, não suporta os sorrisos dos comerciais sobre o Dia dos Pais.
O alcoolismo é pesado, ele mata. Ele não tem cura, mas tem tratamento. Tomara que dê tempo de você, leitor com a minha condição, conseguir chegar a tempo de se desviar da bebida. Tomara que ainda dê tempo de você achar graça dessa data comercial postando uma foto nas redes sociais e relembrando os bons momentos que teve com seu pai, filho e/ou neto.
Não esqueço as infinitas histórias que escutei de pais que não falam mais com os filhos, que perderam o vínculo mas não a esperança. Esta não pode morrer. Às vezes não dá tempo, mas se você está me lendo, saiba que dá. É tempo de procurar ajuda. De se responsabilizar por seus erros e retomar as relações que se perderam nos copos de álcool.
Na infância, perdi incontáveis momentos com meu pai, cheios de apagões regados a muita bebida. Mas não esqueço dos esforços que ele fez para ser um bom pai enquanto estava presente. A bebida, bem, ela simplesmente faz mágicas de apagar boas lembranças. Mas isso é recuperável. Se eu tivesse feito diferente, não teria magoado meu pai naquele dia em que estava indo para a clínica de recuperação, mas se eu não tivesse tomado a decisão de parar e pedir ajuda, eu não estaria aqui para contar que hoje somos felizes.
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