Enquanto um mundo novo repleto de oportunidades se abre ao adolescente que vislumbra a fase adulta, é possível que aos seus responsáveis reste uma sensação oposta, de um mundo com menos brilho do que havia antes de os filhos crescerem. E não precisa nem que o tal ninho vazio se concretize —muitas vezes, a dor já começa antes.
A educadora e pesquisadora do comportamento adolescente Carolina Delboni diz que, para muitos pais, a sensação nessa fase da vida é de que perderam os filhos. “E, como os pais não sabem se relacionar com essa ‘perda’, muitas vezes eles acabam se relacionando pela raiva”, afirma.
Com isso, a distância em casa só aumenta: adultos num canto, magoados, e os jovens no outro, se sentindo incompreendidos e buscando compreensão lá fora. “Os pais não sabem lidar com isso porque ninguém ensinou e ninguém ensina”, diz Delboni, autora do livro “Desafios da Adolescência na Contemporaneidade – Uma Conversa com Pais e Educadores” (Summus Editorial, 163 páginas, R$ 58,40).
“A gente lê livros e busca cursos para aprender a cuidar do bebê, depois da criança pequena, e a gente não faz absolutamente nada quando o filho entra na adolescência. Não existe literatura sobre essa fase, a não ser livros de psicanálise. Não há cursos, palestras, rede de apoio. É um abandono geral, tanto dos adolescentes quanto dos pais deles”, diz.
Largados sem ferramentas, os responsáveis podem acabar se esquecendo da importância do afeto e do diálogo na relação com os jovens, passando a tratá-los como pessoas que já não precisam mais de tanto carinho e atenção quanto precisavam quando pequenas.
“A gente presume que aquele filho é grande, o que é dúbio, porque nós também não damos autonomia já que não queremos que ele cresça”, afirma Delboni, para quem esse processo de “soltar” os filhos adolescentes precisa vir acompanhado de muita confiança.
“Mais difícil do que dar a autonomia é confiar que o filho vai ser capaz de fazer as coisas com responsabilidade. A gente fala para uma criança pequena que, se ela pegar o copo com uma mão só, ele vai escorregar e cair, mas a gente não ensina o adolescente a sair pra rua e se relacionar com o mundo.”
Também é papel dos pais, segundo Delboni, quebrar os estereótipos da adolescência —evitar cair na tentação, por exemplo, de acusar os filhos de serem monossilábicos, de não saírem do quarto, ou de dizer que conversar com eles é impossível.
“A gente tem o costume de rebater tudo o que vem do universo adolescente. De dizer que é coisa fútil, chamar a música que eles gostam de ruim, falar que o lugar que eles escolheram para ir passear não é o melhor etc. Sempre temos algo a dizer que mostra que eles deveriam estar fazendo diferente”, afirma a autora.
Para ela, este hábito “corta todos os vínculos” com o jovem. “Essas coisas fazem parte do universo em que ele está inserido e mostram como ele está constituindo o ser dele. E, se a gente rebaixa isso, de certa forma está dizendo ao nosso próprio filho que o que ele é, gosta e pensa não é bacana”, diz.
É assim que nasce boa parte das brigas em casa, que Delboni afirma terem raiz na vida cotidiana. Como quando os pais comparam gerações, por exemplo, recorrendo ao famoso “No meu tempo era diferente”, ou quando fazem acusações constantes do tipo “Você não sai desse celular!”. “E sabe o que o jovem vai fazer? Olhar para você e pensar ‘problema seu’”, diz ela.
“O que isso vai acrescentar às relações? Nada. Não vai melhorar o vínculo, pelo contrário, e ainda não vai tirar ele dali do celular. Por outro lado, você já experimentou perguntar o que ele está vendo? Pode ser que ele não mostre, mas você fez uma pergunta, demonstrou interesse. Nesse cotidiano, estamos sempre querendo tirar o adolescente à força do seu lugar em vez de nos deslocarmos para o canto dele, sem reclamar.”
“Desafios da Adolescência na Contemporaneidade – Uma Conversa com Pais e Educadores” não pretende ser um manual, mas um livro de informações. Não foi feito para jovens, mas pode ser lido por eles, segundo a autora, que é mãe de três adolescentes.
“Eu gosto muito de conversar com eles, mais do que de escrever pra eles. Eles não são escutados, e eu gosto de escutá-los”, diz.