O grupo Prerrogativas, formado por juristas e advogados, apresentou uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que o presidente Jair Bolsonaro (PL) seja investigado por dizer que “pintou um clima” durante uma visita feita por ele a adolescentes venezuelanas.
A iniciativa se soma a uma petição apresentada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que acionou a corte contra o mandatário pelo mesmo motivo.
Em entrevista a um podcast, Jair Bolsonaro afirmou que “pintou um clima” ao se referir a um encontro com meninas venezuelanas que vivem em São Sebastião, na periferia do Distrito Federal, ocorrido no ano passado. Ele ainda insinuou que o local abrigava práticas de exploração sexual infantil.
Para o Prerrogativas, as declarações do chefe do Poder Executivo devem ser alvo de investigação criminal —seja porque ele supostamente teve conhecimento de uma prática ilegal e não tomou providências, o que configuraria o crime de prevaricação, seja porque possa ter mentido e exposto crianças e adolescentes.
“Sob todos os ângulos que se possa analisar, a situação é absurda, e os fatos reclamam a devida apuração”, afirma o grupo na notícia-crime. “A situação narrada reveste-se de contornos ainda mais graves quando o presidente da República diz ter ‘pintado um clima’ com meninas bonitas de 14 e 15 anos e se oferece para entrar em sua casa”, segue.
Ao UOL, uma das mulheres visitadas por Bolsonaro rechaçou as insinuações de que o local abrigava práticas de exploração sexual infantil. De acordo com ela, naquele dia foi realizada uma ação social para refugiados. Sua filha e sua sobrinha estavam entre as adolescentes participantes.
“Para além das insinuações que dão indícios de um suposto flerte do presidente da República com meninas menores de idade, tem-se que as fala do chefe do Executivo vão de encontro com o que uma mulher venezuelana, que estava durante a visita do presidente em São Sebastião, afirmou à reportagem do portal UOL”, destaca o Prerrogativas.
De acordo com os advogados, a divergência entre as versões reforçaria a suspeita de que o relato feito por Bolsonaro teria o intuito de tumultuar o processo eleitoral, uma vez que a história foi contada quando o mandatário falava sobre o suposto risco de o Brasil “virar uma Venezuela” caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retorne ao poder.
“A apuração e investigação dos fatos é medida que se impõe para que a sociedade brasileira não se acostume a minimizar fatos absolutamente atrozes como se fosse uma conduta regular de um cidadão, máxime do presidente da República”, afirma o Prerrogativas.
O grupo ainda diz ao STF que Jair Bolsonaro teria violado artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente que proíbe a divulgação de qualquer elemento que permita a identificação, direta ou indireta, de menores de idade que estejam envolvidos em atos infracionais.
“O absurdo é tamanho que na fala do presidente da República este expõe determinadas crianças venezuelanas, que vivem na região administrativa de São Sebastião, no Distrito Federal, como praticantes de atos de prostituição infantil”, diz a notícia-crime.
“Além de não tomar as providências legais, que se exige do homem público mais importante do país, o presidente da República expôs menores publicamente imputando a esses atos de prostituição infantil”, continua.
A notícia-crime é assinada pelos advogados Marco Aurélio de Carvalho, Fabiano Silva dos Santos, Gabriela Araujo, Antônio Carlos De Almeida Castro, Michel Saliba Oliveira e Marina Morais Alves.
“É uma vergonha. É um comportamento constrangedor e criminoso advindo de um chefe de Estado, que também dialoga com a sociedade, com o país e com o mundo pelos exemplos, pelo que fala e não só pelo que faz. É realmente muito grave. No mínimo, um comportamento constrangedor e criminoso”, afirma Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas.
Jair Bolsonaro foi às redes sociais na madrugada deste domingo (16), em uma live iniciada logo após a meia-noite, para se justificar sobre o relato. O mandatário disse que “sempre combateu a pedofilia, sempre foi contra o regime venezuelano” e acusou o PT de recortar pedaços da entrevista para alterar o sentido de suas falas.
“O PT está tentando me desqualificar. Distorceu, como se eu fosse uma pessoa que entrasse naquela casa com outros interesses”. Por dez minutos, Bolsonaro repetiu diversas vezes a frase “o PT extrapolou todos os limites” e se mostrou inconformado.
No trecho da entrevista que viralizou, o presidente detalhou o encontro que teve com meninas venezuelanas em São Sebastião, na periferia do Distrito Federal, em abril do ano passado.
“Parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado, numa comunidade. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei, ‘posso entrar na tua casa?’ Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, [num] sábado de manhã, se arrumando —todas venezuelanas”, disse ele.
“E eu pergunto: meninas bonitinhas, 14, 15 anos se arrumando num sábado para quê? Ganhar a vida. Você quer isso para a tua filha, que está nos ouvindo aqui agora? E como chegou neste ponto? Escolhas erradas”, afirmou na entrevista.
Quando realizou a visita a São Sebastião, Bolsonaro fez uma transmissão nas suas redes sociais e criticou as medidas sanitárias então adotadas pelos governos estaduais na pandemia da Covid-19.
Não houve referências, à época, sobre exploração sexual. No encontro transmitido pelo presidente, as cidadãs venezuelanas apresentaram pleitos como a regularização de documentos e a reabertura da fronteira terrestre.
Como mostrou o Painel, a campanha de Jair Bolsonaro acionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que Lula seja proibido de utilizar o trecho do vídeo em que o presidente fala sobre o encontro.
A ação foi apresentada à corte antes mesmo da divulgação de vídeo produzido pela campanha do petista.
“Você que é mãe, você que é pai: veja só o que Bolsonaro falou sobre meninas de 14 anos”, diz o vídeo de 30 segundos. “Pintou um clima? Com uma garota de 14 anos? É esse homem que diz defender a família?”, continua a propaganda de Lula.
Os advogados do presidente Jair Bolsonaro afirmam na ação que as declarações foram distorcidas e tiradas de contexto.
Ao utilizar a expressão “pintou um clima”, dizem, Bolsonaro quis “sugerir, em linguagem clara e direta, voltada para o povo, que as meninas, lamentavelmente, devido à penúria financeira de que são vítimas, com reflexos de degradação sexual, estariam à procura de possíveis clientes”.
com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH