O encerramento da legislatura na Câmara dos Deputados está sendo marcado por uma disputa por gabinetes de deputados que não conseguiram se reeleger ou que vão para outros cargos, em uma corrida que inclui tentativa de repassar aos novos inquilinos custos de reformas feitas nos locais durante o mandato.
De acordo com as regras da Câmara, os gabinetes são distribuídos por sorteio. Há, porém, exceções.
São dispensados desse trâmite ex-presidentes da Câmara, mulheres, pessoas com 65 anos ou mais e deputados reeleitos, por exemplo.
Nesse caso, eles precisam manifestar opção por algum gabinete específico até dois dias úteis antes de 30 de janeiro. Se houver empate na disputa, leva a melhor o mais idoso, entre os que têm mais legislaturas.
Além disso, é permitida a permuta de gabinetes entre titulares.
Essa possibilidade levou, no último mês, a uma peregrinação de deputados reeleitos em busca de gabinetes mais espaçosos ou mais luxuosos que irão ficar vagos.
Eles promovem uma “permuta” com os que estão de saída, o que, na prática permite que eles ocupem lugares que consideram mais atraentes sem terem que se submeter ao sorteio.
Alguns gabinetes são levemente maiores que os demais —a diferença pode chegar a 5 m². Além disso, apesar de originalmente todos terem mobiliário padrão, muitos parlamentares, ao se elegerem, fazem melhorias no local de trabalho.
Alguns trocam o piso para colocar tábuas corridas. Outros compram móveis planejados para otimizar o espaço apertado dos gabinetes, que, muitas vezes, comportam mais de uma dezena de assessores.
A Câmara autoriza modificações nas áreas internas, “desde que o parlamentar se responsabilize pelos custos da reforma e/ou da aquisição de mobiliário diverso do que é oferecido no modelo padrão original”, informou a assessoria de imprensa da Casa.
“No entanto, ao optar por modificar o interior do gabinete, o parlamentar assina um termo por meio do qual se compromete a devolvê-lo à Câmara no formato original no ato da desocupação.”
Na prática, alguns dos deputados que não se reelegeram ou que vão para outro cargo —venceram a disputa ao Senado, por exemplo— tentam negociar com seus atuais colegas a troca do gabinete e mesmo o repasse de custos com reformas realizadas no espaço.
Quando assumiu o mandato, a deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF) comprou móveis sob medida para aproveitar melhor o espaço de seu gabinete, localizado no anexo 4 da Câmara.
A parlamentar não disputou a reeleição, mas sim uma vaga na Câmara Legislativa do Distrito Federal, tendo sido eleita. Por isso, está vendendo a estrutura, que pode ser usada por quem ocupar o mesmo espaço ou outros com área semelhante, segundo a assessoria da deputada, que disse que não há valor fechado —a Folha ouviu que o custo chegaria a quase R$ 40 mil.
Em outros casos, o anúncio é feito em grupos de parlamentares e assessores no WhatsApp.
Em uma mensagem, à qual a reportagem teve acesso, uma assessora anuncia que o deputado com quem trabalha —Expedito Netto (PSD-RO)— não conseguiu se reeleger e, por isso, estava se desfazendo do gabinete.
“Temos móveis sob medida e sala do parlamentar com sofá, poltronas e cadeiras. Detalhes no privado”, escreveu.
A Folha procurou o parlamentar, mas não obteve resposta.
Um dos gabinetes com reforma mais cara é o da deputada Dorinha Seabra (União Brasil-TO), eleita para o Senado. Segundo relatos, os custos citados para quem tem interesse no gabinete chegam a R$ 100 mil, fruto de reformas que mudaram piso e incluem porta de correr e uma minicopa.
A Folha também procurou a deputada, mas não obteve resposta.
Além da disputa por gabinetes, muitos deputados não reeleitos já começam a esvaziar os locais de trabalho, mesmo com a legislatura se encerrando só em 31 de janeiro. Nos corredores do anexo 4, sacos com papéis rasgados se acumulavam em vários dos andares na última quarta-feira (16).
A Câmara abriga o local de trabalho dos 513 parlamentares em dois locais específicos. No chamado Anexo 4, prédio de 10 andares de fachada amarela e que fica próximo à edificação principal do Congresso, ficam 432 gabinetes que medem de 43 a 47,5 metros quadrados. Eles dispõem de banheiros privativos.
No chamado Anexo 3, que fica na edificação principal do Congresso, próximo ao corredor das comissões temáticas, há outros 85 gabinetes, que tem entre 35 e 40 metros quadrados, sendo que os maiores também possuem banheiro privativo.
É nessa segunda parte que ficava o gabinete parlamentar de Jair Bolsonaro, que foi deputado federal por 28 anos.
Em 1º de fevereiro, tomam posse os 513 deputados eleitos em outubro, que formarão a nova legislatura.
A taxa de renovação da Câmara dos Deputados foi de 39,4% nas eleições de 2022, retornando à média histórica inferior a 40% registrada desde 1994 e abaixo dos 47,4% obtidos em 2018 —quando o índice bateu recorde.
Os cálculos são da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara e mostram que, dos 513 deputados, 202 exercerão o mandato pela primeira vez. Os reeleitos somam 294, e 17 ex-deputados voltam à Casa após um período fora da Câmara.