Nos anos 1980, uma pesquisa do psicólogo americano James Pennebaker demostrou que a palavra escrita tem poderes terapêuticos: quem escreve durante alguns dias sobre eventos traumáticos da vida tende a sentir benefícios muito claros em sua saúde física e mental.
Quase quatro décadas depois, mais de mil estudos exploraram os achados pioneiros de Pennebaker e da técnica conhecida como escrita expressiva.
Pesquisadores identificaram, por exemplo, redução de estresse e de sinais de depressão, bem como de consumo de cigarro e de álcool; também viram melhora do sono, do sistema imune e do desempenho escolar, assim como diminuição nas visitas a médicos.
Uma das principais explicações para esses resultados está na introspecção. Ao pôr no papel os próprios sentimentos, a pessoa se força a pensar sobre eles, dando-lhes uma organização que não tinham antes.
De forma intuitiva, é o que percebe muita gente que mantém um diário. Que o diga a publicitária e escritora Caroline Castilho.
“Escrever ajuda a curar, reconhecer o problema e enfrentar a dor. O papel e a caneta são uma espécie de farol para todos os dias, não importa quão tempestuosos estejam.”
Hoje com 30 anos, ela começou seus diários aos 11. Preocupada em expressar seus pensamentos sem ser vigiada, Caroline procura dar máxima liberdade à sua mão.
“Quanto mais intenso é o problema, mais aparece nas páginas. Tenho folhas manchadas de sangue da época que me cortava, tenho registros de contagem de calorias da época que tive transtorno alimentar. Jogo tudo no papel, é a única maneira de ‘exorcizar’ que conheço.”
Embora não existam estudos específicos sobre os “queridos diários”, James Pennebaker diz em entrevista à Folha que, na teoria, quem já tem esse hábito pode se beneficiar com mais facilidade da escrita expressiva.
“Mas eu não encorajo um diário porque a maioria começa, para e acaba se penitenciando por ter parado. E eu quero alcançar todas as pessoas, tanto as que mantêm diário como as que não mantêm. É uma ferramenta acessível para todos, a qualquer momento”, diz o psicólogo.
Professor emérito da Universidade do Texas, o próprio Pennebaker não tem um diário. Ele diz que não gosta de escrever quando está tudo bem; se alguma coisa tira seu sono, contudo, recorre à técnica que desenvolveu e, na maior parte das vezes, logo dorme melhor.
De acordo com suas pesquisas, basta escrever de cinco a dez minutos durante três ou quatro dias para os benefícios serem notados.
O simples ato de escrever ajuda a organizar a experiência: põe uma etiqueta nas coisas, resume o que está acontecendo e quase transforma o problema numa história. Isso permite seguir em frente
“O simples ato de escrever ajuda a organizar a experiência: põe uma etiqueta nas coisas, resume o que está acontecendo e quase transforma o problema numa história. Isso permite seguir em frente”, afirma o psicólogo.
É indiferente a hora do dia em que se escreve. Pode ser com a mão esquerda ou direita, com lápis ou caneta, na máquina, no computador ou até com os dedos num papel imaginário. Tanto faz guardar o texto ou jogá-lo fora.
“Cada um tem que ser um pouco cientista e descobrir o que funciona melhor para si mesmo”, diz Pennebaker. Só o que importa é transpor pensamentos e sentimentos para as palavras –e fazê-lo com sinceridade, sem se preocupar com ortografia e gramática.
Esse último elemento —sinceridade— marca uma diferença importante entre os velhos diários e as redes sociais, embora tampouco existam estudos conclusivos sobre a relação das postagens na internet e a escrita expressiva.
Segundo Pennebaker, muitas pessoas são honestas e se abrem nas redes como fariam na escrita expressiva, mas outras criam um personagem ou se enganam sem perceber. Além disso, a reação dos demais, se não for acolhedora, pode agravar os problemas individuais.
“Não posso afirmar de forma geral que redes sociais são ruins e que as pessoas precisam escrever diários, porque os benefícios dos diários talvez sejam obtidos por meio das redes sociais. Mas eu sei que isso nem sempre é verdade”, diz o psicólogo.
Por via das dúvidas, a assistente financeira Jenifer Barreto, 42, não fala muito de si nas redes sociais. Prefere recorrer ao diário, uma prática intermitente que vem de seus 11 ou 12 anos.
“Escrevo sobre meu dia e sobre os pensamentos que mais me chamaram atenção ao longo dele. Sabe aqueles pensamentos que ficam martelando na cabeça? Coloco no papel para tirar da mente”, diz. “Escrever no diário me ajuda de diversas formas. A mais frequente é limpar a mente.”
Sua percepção tem eco na ciência. O americano Matthew Lieberman, diretor do Laboratório de Neurociência Social Cognitiva da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, usa palavras parecidas para explicar por que a escrita expressiva funciona.
“Em alguns casos, para quem tem emoções reprimidas em relação a uma experiência traumática, a escrita expressiva oferece um veículo para ‘tirar do peito’ os sentimentos negativos”, diz ele.
Lieberman afirma que também foram detectadas vantagens na prática de acrescentar ao texto possíveis benefícios decorrentes de uma experiência negativa.
“Essa técnica provavelmente funciona permitindo que as pessoas reformulem seus pensamentos negativos sobre a experiência e concentrem suas mentes nos resultados positivos dessa experiência.”
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